Empreendorismo na Biblioteconomia: como a empresa júnior pode formar novos bibliotecários empreendedores

O mundo biblioteconômico passou por muitas mudanças ao longo de sua história e o bibliotecário foi adequando-se as novas realidades: deixou de ser o erudito, detentor máximo da sabedoria do mundo para ser um profissional do âmbito informacional, com habilidades e recursos gerenciais de informação. Ainda bem, né? Caso contrário, a gente não sobreviria neste ambiente competitivo e avassalador que é o mercado de trabalho.

Nos dias atuais, o bibliotecário conquistou um leque bem amplo de atividades possíveis para atuar, e com isso, os cursos de graduação devem se adaptar as estas novas realidades. Tradicionalmente, o mercado de trabalho é formado por espaços públicos e bibliotecas. E devido a novos perfis de alunos e profissionais, a área está em constante inovação e ocupando espaços diferentes de atuação. Então, entende-se a necessidade de explorar dentro das universidades as habilidades e competências requeridas por esta nova dinâmica de mercado de trabalho.

O empreendedorismo dentro da Biblioteconomia é real e está em ascensão, principalmente por conta da crise econômica e política que assombra o país. Esses profissionais autônomos mudam o perfil do bibliotecário, são profissionais dinâmicos, resilientes, líderes, criativos e motivados. Inovar para esses profissionais é o mesmo que respirar para cada ser vivo. É inerente. Eles querem mudar a sua comunidade, criar novos espaços, contribuições e de fato colocar a mão na massa.


Mas como são formados academicamente estes novos profissionais?

A universidade como um centro de formação crítica, reflexiva e social de um profissional deve (e precisa) ser um espaço de incubação para esses novos bibliotecários empreendedores. Muitos não se adequam aos conceitos puramente teóricos, projetos de extensão e pesquisas convencionais. Eles querem e precisam ser estimulados e fomentados a expandir suas competências.

Eu mesma durante a universidade não me vi muito envolvida com a área de pesquisa e iniciação científica. Tive uma milagrosa sorte de ter passado por experiências profissionais e de estágio que aprimoraram, ainda que na marra, essas habilidades gerenciais e criativas.

Fernando Dolabela, especialista em pedagogia empreendedora, afirma que esta educação empreendedora deve começar o mais cedo possível, ainda na educação básica, porque o perfil empreendedor pode ser criado e estimulado pelo professor. Ele também acredita que “não é possível transferir conhecimentos empreendedores, mas é possível aprender a ser empreendedor, desde que seja por um sistema bastante diferente do tradicional”. Ou seja, não é possível que o conteúdo empreendedor seja transferido para um aluno. Um slide dizendo sobre o que é o empreendedorismo não criará um aluno empreendedor, no entanto, se esse aluno for estimulado num ambiente propício, ele poderá se tornar um.

E onde entra a Empresa Júnior nisso?

Pois bem, a EJ vem ser um espaço fora de sala de aula, autônomo em relação aos centros acadêmicos e diretoria, independente do professor para se criar e estimular a formação empreendedora do aluno, pois acontece através das vivências de mercado, onde os alunos tornam-se protagonistas de seu processo de aprendizagem.

A Daniela Spudeit considera que a criação de empresas juniores nos cursos de Biblioteconomia pelos alunos e professores, é uma outra forma de incentivar o empreendedorismo dentro da nossa área. Apenas 13% das Escolas de Biblioteconomia do Brasil têm EJ. Ela também realizou uma pesquisa onde afirma que das 38 escolas de Biblioteconomia existentes no país, apenas seis têm disciplinas de empreendedorismo (obrigatórios ou optativas) no currículo. E em seu livro “Empreendedorismo na Biblioteconomia” mapeou que existem 27 empresas criadas por bibliotecários.

O Brasil é líder mundial no movimento de empresa júnior, superando a Europa que é a vanguarda da iniciativa, segundo esta reportagem do O Globo. E os cursos de Biblioteconomia ainda estão comendo poeira dos cursos de Administração e Engenharias.

Como aluna de graduação, percebi que falta de projetos e incentivos da universidade federal quanto a área prática da Biblioteconomia. Sem os estágios supervisionados, poucas foram as disciplinas que dispuseram realmente do lado empírico da ciência biblioteconômica. A percepção que a Escola de Biblioteconomia me deixou, é que está no século XX mas a profissão ainda se resumiria em bibliotecas. O que é não é verdade.

No meu ensino médio técnico, tive a oportunidade de participar de uma agência experimental em Publicidade, sucesso entre todos os alunos do curso. Foram disponibilizados projetos e casos montados pelo os professores para colocar em prática todo ensino teórico. E era discutida e apresentada pelos os alunos as soluções reais, validando todo o projeto pedagógico.

Por isso, é necessário a criação de empresa júnior nas Escolas de Biblioteconomia brasileiras, para que os alunos possam desenvolver todas as suas habilidades competitivas, criativas e gerenciais para o mercado de trabalho, propiciando um crescimento ainda maior da universidade, dos seus potenciais clientes e do país.

O empreendedorismo e o nosso mundo biblioteconômico

Sabe-se que o objeto de trabalho do profissional bibliotecário é a informação. Com isso, é possível pensar e extrair as possibilidades de trabalho de um bibliotecário, suas maneiras de empreender, além de espaços tradicionais como as bibliotecas e unidades de informação.

Um bibliotecário que não deseja atuar nas formas comuns e esperadas da profissão, pode trabalhar de maneira autônoma ou abrindo uma empresa para fazer prestação de serviços informacionais, por exemplo. Para Fabíola Bezerra, em Ideias Emergentes, “observamos um movimento no campo de atuação do bibliotecário voltado quase que exclusivamente para o trabalho no serviço público, como se este fosse o único caminho a percorrer profissionalmente”.

O importante no âmbito biblioteconômico é ampliar o leque de atuação durante ainda a sua formação. É fundamental mostrar ao estudante de Biblioteconomia que é viável a atuação além das paredes de uma biblioteca e também longe do serviço público.

Ainda em seu livro “Empreendedorismo em Biblioteconomia”, Daniela relata que as primeiras empresas criadas por bibliotecários surgiram nos anos 80, no entanto, eram todas voltadas para os serviços mais tradicionais como organização de bibliotecas, normalização e editoração de documentos e livros. Foi a partir dos anos 2000 que surgiram as empresas com serviços tecnológicos. É importante criar esta linha do tempo, para entender que os novos perfis não se construíram sozinho, sendo resultantes de uma demanda da sociedade da informação.

No presente, o empreendedorismo tem a força motriz de trazer novos ares para a Biblioteconomia. A partir da inovação e da criação de novos negócios, os bibliotecários podem ir além dos serviços técnicos e tradicionais da área, como a catalogação e indexação de acervos particulares, a título de exemplo. É factível empreender por meio de gerenciamento de conteúdo empresariais, mapeamento de dados, serviços de arquitetura da informação, pacotes informacionais e etc.

Conceitualmente, Empresa Júnior é

uma associação civil sem fins lucrativos, resultantes da união de alunos matriculados em um curso de graduação em instituições de ensino superior com intuito de oferecer projetos e serviços que contribuam para formar profissionais capacitados e comprometidos com o propósito de transformar o Brasil, Neste conceito, a Brasil Júnior amplia e comenta o impacto que a EJ pode ter na vida de um estudante que se torna um empresário júnior e ainda, no ambiente que está inserido.

Matoski e França afirma em seu artigo que a EJ não tem a finalidade de captar recursos financeiros para seus integrantes ou para a IES de onde recebem o apoio, prestando serviços principalmente para micro e pequenas empresas. O dinheiro recebido deve ser investido em infraestrutura da EJ, ou na educação e conhecimento dos voluntários.

Ou seja, o aluno que se torna voluntário não recebe salário, nem bolsa e muito menos pagamentos por projetos, mas pode ganhar cursos e experiências investidas com o dinheiro dos projetos. Nos anos iniciais da EJ, é mais comum que o lucro seja revertido para a própria empresa e instituição de ensino na qual está inserida.

Neste documentário, Rogério Chér reitera que empresa júnior é uma empresa formada e gerida por alunos, com o objetivo de proporcionar complemento prático à formação teórica por meio de consultoria. Este conceito de Chér está relacionado à grande parte das EJ: empresas que prestam consultoria para clientes de pequeno e médio porte. Sendo a consultoria o principal produto oferecido pela EJ, reduzindo a sua potencialidade de serviços, como por exemplo, uma empresa júnior em Biblioteconomia pode oferecer serviços práticos de classificação e indexação a uma empresa.

A Federação de Empresa Júnior do Paraná comenta que a EJ deve ter como objetivos a promoção do desenvolvimento técnico e acadêmico de seus associados, o desenvolvimento econômico e social da comunidade, fomentar o espírito empreendedor de seus associados, promover o contato dos alunos com o mercado e trabalho, e promover o desenvolvimento pessoal e profissional de seus associados.

Os principais objetivos da EJ, segundo Gustavo Periard são: fomentar o aprendizado prático do universitário em sua área de atuação e aproximar o mercado de trabalho do universo acadêmico. Ou melhor, não basta só apreender o que os autores dizem sobre os serviços na área e sim praticá-los de fato por meios de vivências gerenciais e tomadas de decisão reais, não somente hipotéticas. Os resultados e consequências qualificadas destas ações se moldam nas competências e desenvolvimento do perfil profissional do aluno.

Gustavo também afirma que em uma EJ, os alunos podem exercitar seu lado empreendedor e pesquisador, trabalhando na geração de novas ideias. Neste caso, o aluno pode também fomentar seu lado pesquisador através da criação de soluções para os projetos contratados, inovando toda a área de conhecimento. E ainda, é possível fazer publicações com os casos experimentados, ampliando a imagem da instituição, dos professores orientadores, da EJ e do próprio aluno, futuro profissional de Biblioteconomia.

Empresa Júnior na Biblioteconomia

Foi mapeado que ao longo dos últimos 13 anos, o campo biblioteconômico contou com 10 empresas juniores, existindo hoje apenas quatro delas. A Biblio Jr. da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) foi a primeira ser criada em 2004, e em 2013 foi associada ao curso de Arquivologia e Ciência da Informação, tornando-se a InfoJr. As empresas juniores ativas são as: InfoJR (UFSCAR), Seti Consultoria Jr. (UFPE), a BiblioMetrics (UFRN) e Info Jr (UFSC). Outras três EJs foram encontradas, mas estão inativas, são elas: Agir Consultoria Jr. (UFC-Cariri), EGID JR (UNESP- Marília) e a CGI-JR (UFMG).

Então percebe-se que…

As EJs foram criadas para suprir a carência do empirismo na área acadêmica. Nelas, os alunos têm a possibilidade de experimentar, criar, gerenciar, inovar diretamente na área que escolheram. Aplicado à Biblioteconomia, as EJs permitem que os alunos lidem com clientes, processos gerenciais e atividades técnicas, aprimorando seu poder de tomada de decisão.

Durante a minha pequisa, notei que as EJs de Biblioteconomia, oferecem um leque diversificado de serviços para a comunidade interna e externa, mas é nota-se que a comunidade acadêmica interna é seu principal cliente. Ao longo de 13 anos, nove EJs foram criadas na área, no entanto, apenas quatro mantêm-se ativas.

Concluo que a EJ pode desenvolver o perfil empreendedor dos alunos da EB através da vivência autônoma, tomadas de decisão, desenvolvimento de atividades práticas na área de Biblioteconomia, experiências gerenciais, interação com clientes físicos e jurídicos, supervisionados por professores. Com isso, as EJs são espaços com mais possibilidades de aprendizado do que um estágio supervisionado, pois este possui, em sua maioria, planos de atividades limitados e pré-determinados, bem diferentes das EJs, que proporcionam ambientes diferenciados, vivências únicas e imprevistas.

Enquanto aluna da EB, gostaria de ter participado de uma iniciativa como a EJ, pois se adequa muito mais com o meu perfil do que a iniciação científica, na qual não tive interesse ou curiosidade de participar. O que foi completamente diferente da EJ. A cada pesquisa que realizava, a cada possibilidade de inovação e fomento do empreendedorismo que a EJ permite meu coração bateu mais forte. Então, a EJ pode atender os alunos que como eu, não se encaixam nos padrões acadêmicos da universidade e querem explorar o mundo, com competências, habilidades e recursos próprios que foram traçados em projetos empíricos e reais.

Este artigo é uma adaptação do meu de Trabalho de Conclusão de Curso em Biblioteconomia, apresentado para UNIRIO em dezembro de 2017. Este trabalho foi orientado pela Profª. Drª. Jaqueline Barrada. Você pode consultá-lo neste link.


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