Levo no mínimo duas horas pra chegar em qualquer lugar de transporte público.
Qualquer lugar. Se duvidar, até as vezes no centro da minha própria cidade.
Aos 18, fui mandada embora do meu primeiro estágio, porque segundo meu gestor eu era acomodada demais.
Aos 16, trabalhava na escola pra ter bolsa integral. Fazia curso de inglês e computação gráfica no meio tempo de estudar e trabalhar porque tive oportunidade para isso.
Aos 14, fazia o inglês, corria atrás de vaga de jovem aprendiz, vendia cosméticos e bijuteria para ter um dinheirinho. Enquanto tomava conta a tarde da minha irmã e irmão para meus pais trabalharem.
Aos 12, era uma das melhores alunas da escola. E cuidava do meu irmão e eventualmente da minha prima.
Aos 10, ajudava olhar meu irmão juntamente com a minha avó. E tive sorte do meu pai conseguir pagar meu colégio particular.
Aos 8, estudei no melhor colégio do bairro porque minha tia pagava, enquanto pode, e comprava meu material.
Aos 6, acordava cedo para ir a aula, ter as melhores notas enquanto ficava com uma e outra tia para meus pais trabalharem para sustentar a casa.
Aos 4, minha mãe equilibrava chegar a vida adulta com dois filhos e fazer faxinas para completar a renda da casa. E quando ela estava em casa, me ajudava nas tarefas da escola e me ensinava a ler e escrever.
Aos 21, percebo que o sistema é cruel demais. Moro longe demais, o transporte público é péssimo demais, a violência tá demais, a vida acadêmica cobra demais, ter que sorrir e acenar é demais. Tomar remédio para sorrir e acenar é demais. E o sono, esse cada vez é de menos.
E a acomodada não sou eu.
É o sistema.
E aos 22, que completo no final desse mês, espero aprender a reconhecer meus limites e me preocupar com uma coisa de cada vez. Não dá pra abraçar o mundo. Mesmo tendo sido criada pra isso. E mesmo que o sistema ache que é apenas acomodação.
Eu tô é incomodada mesmo.
E com o saco meio cheio.
Não totalmente porque ainda tenho esperança.
Espero.
